De trás das gemas dos olhos
silenciosos e eternos olhais
para nós: retardatários irmãos.
Parece que nem ânsia nem amor
conhecem vossas brilhantes feições polidas.
Soberanos e aos astros irmanados,
um dia incompreendidos,
entre templos vagastes.
Como um distante olor divino, a santidade
em vossos rostos ainda hoje sopra,
a dignidade rodeia-vos os joelhos.
Vossa beleza respira serena:
na eternidade tendes vossa pátria.
Mas nós, irmãos mais novos,
sem deuses tropeçando numa vida enganosa,
vemos abrir-se avidamente às nossas almas
todos os torvelinhos da paixão,
cada saudade em brasa.
Nossa meta é a morte,
nosso credo a inconstância;
não há lapso de tempo que se contraponha
à nossa efígie súplice.
E contudo trazemos nós também
o estigma de um secreto vínculo espiritual
em fogo na alma
nós pressentimos deuses e sentimos
perante vós, silenciosas imagens da antiguidade,
amor sem medo. Nos vedes
sem ódio a nenhum ente, nem à morte:
a sofrer e o morrer
não nos abalam a alma,
pois aprendemos a amar mais profundamente.
É do pássaro o nosso coração,
e do mar e do bosque; aos miseráveis
e aos escravos tratamos como irmãos,
e à pedra e ao animal também chamamos com amorosos
nomes.
Sendo assim as imagens
do nosso efêmero ser
não nos hão de sobreviver em dura pedra:
sorridentes se desvanecerão
e em transitória poeira de sol
novos encantos e perpétuas ressuscitarão.
Hermann Hesse
In Andares - Antologia Poética
Tradução Geir Campos
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